Decisão do STF: Já basta de candidatos eleitos com o rabo preso
Leonardo
Sakamoto
17/09/2015 18:41
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Nesse período, os
empreiteiros procuraram, com sucesso, consolidar e ampliar seus vínculos como o
governo. Passaram, por exemplo, a patrocinar comícios – o famoso comício das
reformas (…), por exemplo, teve suas despesas pagas por um grupo de empreiteiros.
Às vésperas da votação de alguma lei cuja rejeição ou aprovação interessava aos
empreiteiros, pequenas fortunas influenciavam o comportamento de deputados e
senadores ligados ao governo. O texto acima poderia ter sido
publicado em qualquer jornal da última semana, recheada por escândalos de
corrupção que envolveram parlamentares e empreiteiras. Mas não. O trecho foi
extraído do livro “Minha Razão de Viver'' (17ª edição, página 238), do
jornalista Samuel Wainer, fundador do Última Hora, e se refere à ditadura
militar. Para não dizer que nada mudou nos últimos 40 anos com relação a essa
orgia de cal e cimento, pontes e barragens, financiamentos de campanhas e os
carpetes de cores ultrapassadas dos corredores do Congresso, não temos mais o
povo de farda verde no poder, o país é pentacampeão no futebol e perdeu de 7 a
1 da Alemanha. Mas, por outro lado, essas empresas engordaram com o tempo e
hoje o apetite de algumas delas pelo erário público é bem maior. Após cada
eleição, os veículos de comunicação divulgam levantamentos mostrando que a
maior parte dos parlamentares recebeu dinheiro de construtoras para suas
campanhas Receber doação não é ilegal, mas quem acredita que tamanho
investimento foi feito à toa por essas empresas? Pelo bem da democracia? Faz-me
rir. Já disse aqui antes que, quando fui ao Jóquei pela primeira vez, perguntei
se seria possível apostar em todos os cavalos ao mesmo tempo – no que fui
ridicularizado. Talvez por isso, por trauma de juventude, receie um pouco em
questionar em público o motivo de, ora bolas, grandes empresas doarem dinheiro
para diferentes candidatos que disputam o mesmo cargo nas eleições. Em outras
palavras, apostam no Batman e no Coringa, no Superman e no Lex Luthor, no Scooby-Doo e nos
Fantasmas, no Tico e no Teco – sem juízo de valor para que candidato assume
cada papel, é claro. Qualquer um pode ser o Tico e o Teco. E, no caso
brasileiro, o Superman não necessariamente é o mocinho. Muitas vezes, o Pinguim
é mais honesto… Olha, coisa bonita de se ver a construção republicana que essas
empresas de cimento, pedra e vergalhão ergueram ao financiar as candidaturas de
políticos de diferentes matizes! Só um espírito verdadeiramente altivo
ignoraria diferenças partidárias e injetaria recursos em campos opostos para
possibilitar a compra de santinhos, adesivos, banners, faixas, gasolina,
diárias de hotel, salário de marqueteiro e deixar correr o livre debate
público. No final, apostaram no cavalo vencedor. Mas quem se importa com isso,
não é mesmo? Teoricamente, o ato de doação é um indício de que o doador comunga
das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por
suas ideias, seja por sua classe social ou quer criar com ele um vínculo por
meio desse apoio em campanha. Alguns eleitos mantém apenas diálogos cordiais
com os financiadores, outros literalmente “pagam'' através de serviços
prestados – como já foi extensamente provado em operações da Polícia Federal e
Comissões Parlamentares de Inquérito. Sempre para garantir o financiamento de
amanhã. Não estou querendo fulanizar a questão neste post porque são muitos os
nomes. E os colegas da imprensa já estão fazendo um trabalho extenso ao relatar
em matérias financiadores e financiados e favores prestados. O que teria
acontecido se os eleitos com recursos de empresas tivessem sido impedidos de
participar de obras públicas? Para a Petrobras, a Copa, Olimpíadas, mas também
o Programa de Aceleração do Crescimento, Minha Casa, Minha Vida, Luz para
Todos. Se um investimento passa a não dar retorno, ele deixa de ser
investimento? Há políticos, de diferentes partidos, de progressistas a
conservadores, que nunca aceitaram doações de pessoas jurídicas. São chamados
de idiotas porque não teriam percebido que o mundo é outro. Hoje, segundo a
maioria, não é possível fazer política sem muito dinheiro e sem empresas
fluindo rios de recursos. Na verdade, é outro porque nós permitimos que as
eleições se tornassem um turfe. Ou melhor, um cassino sem regras, uma grande
mesa de fundos de investimentos futuros.
O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta (17), por 8 votos a 3,
que as doações de empresas a candidatos e partidos são inconstitucionais – a
possibilidade de pessoas físicas doarem até um limite de seu rendimento está
mantida. Segundo a corte, o poder econômico tira o equilíbrio da disputa
eleitoral. A proibição pode valer para as eleições municipais do ano que
vem. A manutenção dessa decisão depende de que Dilma vete a lei aprovada
pelo Congresso Nacional – e apadrinhada por Eduardo Cunha, presidente da Câmara
dos Deputados – que permite a doação de empresas a partidos. Isso vai impedir o
caixa dois? De maneira alguma, ninguém é inocente aqui. Mas com as
doações empresariais se tornando proibidas e passíveis de punição,
há uma chance de conseguirmos reduzir os custos de campanha. E,
portanto, ideias poderão falar mais alto que o tamanho e a origem da captação
de recursos em uma eleição. Com base no resultado acachapante no STF,
torçamos para que Dilma Rousseff vete a lei. Pois ou viramos o jogo ou
será impossível encontrar alguém que ganhou uma eleição sem rabo preso nesse
país.
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