Hoje e nesse final de semana brindarei meus amigos com esse belo texto de uma amiga querida que muito tem colaborado conosco em palestras, programas televisivos no canal 16 da Net. Com toda certeza, o texto fala por si mesmo! Portanto, eis aí a Professora Luciene felix, boa leitura. Joel de Araujo .
As cinco Etapas do Movimento de Realização da Realidade – Parte I-
por Luciene Félix
"A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras.
Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade".
"A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras.
Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade".
Octavio Paz
O que torna a realidade ‘real’? Em sua obra “Analítica do Sentido – Uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica”, Dulce Critelli, profunda estudiosa do filósofo existencialista Martin Heidegger (vide artigo anterior, publicado em nosso Blog: http://www.lucienefelix.blogspot.com), nos esclarece sobre a realidade e seu movimento de realização. De acordo com esta corrente filosófica, a condição sine qua non para que algo seja percebido, ou seja ‘exista’, é a luz (do grego, phós – ). Luz, tanto do ser e dos seres que são e se dão a perceber, quanto do olhar humano “que se institui como sua clareira”, seu lugar de aparição. Mas, embora seja o indivíduo quem vê, seu olhar não é individual. Existimos com os demais, ou seja, compartilhamos uma coexistência e esse ser-no-mundo com os outros, além de fundamentar e possibilitar o conhecimento é igualmente, fundamento para o aparecimento dos entes: “O olhar do homem é constituído por sua coexistência, que, como tal, é fundamento do movimento de fenomenização dos entes e do fenômeno.”, afirma Critelli. Como não somos sós, é a coexistência que fundamenta o movimento fenomênico do mostrar-se/ocultar-se dos entes em seu ser, o ‘acontecimento’: “Pois é desde o que acontece que a possibilidade ontológica pode ser compreendida como possibilidade e, portanto, como fundamento desse acontecimento”, diz a autora. Dessa forma, por estarmos concretamente no mundo com os outros, situados geográfica e historicamente (datados no tempo), instaura-se nosso duplo caráter, que é o de ser “o lugar, ou a clareira onde o ente pode manifestar-se para um olhar e, ao mesmo tempo, ser o olhar, ou a iluminação que provê esta mesma manifestação”. Para que algo ‘apareça’ é necessário que tenha como origem a iluminação daquele que percebe, recolhe, apanha, e que esse apanhado seja compartilhado numa coexistência, cuja função é justamente permitir este mostrar-se fenomênico. Em termos de realidade, é sendo um ser-no-mundo com os outros que o fenômeno É. Quando o ente aparece, ele já foi forjado como real. As coisas não se mostram primeiro para somente depois serem convertidas em realidade: “(...) a própria percepção de algo pressupõe que esse algo tenha sido o resultante de um movimento de realização”. Chamamos a atenção para o fato de que esse movimento de realização, que é o que permite a aparição dos entes, “cujo fundamento e desdobramento são atemporais, existenciais e não meramente metodológicos” difere da compreensão metafísica. Enquanto para a metafísica há o Ser (inapreensível), para a fenomenologia, isso não é absolutamente definitivo: muito do que não se abarcava antes, hoje é perfeitamente compreensível; do mesmo modo, há muito por ser revelado. Assim, metafísica e fenomenologia existencialista, diferem sobre a interpretação do que seja o real, a realidade. Fenomenologicamente, o que torna os seres reais é:
1) Quando desocultado por alguém: desvelamento,
2) Ser acolhido e expresso através de uma linguagem: revelação,
3) Quando visto e ouvido por outros: testemunho,
4) Quando o testemunhado é referendado como verdadeiro por sua relevância pública: veracização e,
5) Uma vez publicamente veracizado, algo é efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos: autenticação.
Em virtude de limite, por ora, discorreremos sobre as duas primeiras etapas, ou seja, até o momento em que a existência de OVNI's e fantasmas (ou almas d’outro mundo) é possível: desvelamento (desocultamento) e revelação (palavra). Desvelamento: enquanto as coisas não forem expostas à luz e desveladas (retirado o véu) por alguém, permanecem no reino do nada, ocultas. Mas o que for trazido à luz não permanece, necessariamente, desvelado para sempre, tampouco do mesmo modo. Um exemplo dessa mutabilidade é a crença que os antigos gregos tinham de que a natureza era presidida por divindades. A ‘desocultação’ (desvelamento) dessas forças vitais se alteraram ao longo de nossa existência: “É toda uma trama de organização social, histórica, coexistencial que se estabelece a partir de cada uma dessas perspectivas.” Outrora deuses, ora arquétipos (junguiano), ora razão, etc., antes, pertenciam ao reino do nada e ansiavam pelo desvelamento. Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), essas forças vitais abrangem todas as ações históricas (ele denomina de “Razão Absoluta”), nem míticas tampouco religiosas, mas algo “determinante, quase fatal, – irreprimível.” Universais e com poder de engendramento, nos movem, mesmo que não tenhamos consciência ou controle sobre elas: “(...) transcendem nossa mera vontade, posição, nosso saber e controle objetivo das situações.” É uma possibilidade. Para a fenomenologia existencialista, o ente também se mostra quando volta para o escuro, para o reino do nada e fica encoberto. Também pode ser ignorado, esquecido, desentendido (compreendido e, depois, desaprendido) e até, por distração, ocultado. O aparecimento das facetas ocultas dos entes se dá à luz do tempo do existir e não necessariamente do esforço racional e cognitivo: “A volta para o velamento que constitui o mostrar-se dos entes, o encobrimento de suas facetas, não é nada negativo, mas essencial.” Velar, esquecer, torna a existência mais suportável. As coisas não se revelam no total de suas possibilidades, mas totalmente em uma de suas possibilidades: “Este movimento é existencial, temporal.” E o que aparece precisa de alguma duração para que possa chegar à realização: “A chance de conservação da faceta ou da possibilidade desvelada da coisa está dada pela linguagem.” É a linguagem. Sendo assim, será NA e PELA palavra que o que foi desvelado dos entes poderá ser exposto. Daí, adentramos à 2ª etapa desse ciclo de movimento de realização da realidade: Revelação: Confirmamos e conservamos a manifestação do que aparece através da fala: “A palavra é o duplo do ser”, diz o filósofo Merleau-Ponty. “A linguagem é a casa do ser”, afirma Heidegger. A condição para que algo exista é poder ser apresentado pela linguagem. As coisas são através da fala. Do que não se fala sequer se cogita a existência. Mesmo que exista, não sendo verbalizado, não é satisfatoriamente revelado. Nos relatos míticos, temos a união entre o criador e a criação por meio das palavras: “Através do falar, na existência humana, é que o ser das coisas pode ser veiculado. (...) Essa é a função dos argumentos, das teorias: a reunião dos significados das coisas, a fim de exibi-las em seu sentido, em seus nexos e possibilidades ininterruptas de aparecimento.” Registrar conserva: “O desocultado precisa ser expresso em alguma linguagem para chegar a mais primária forma de aparecimento e manifestação.” Desvelar é comunicar, tornando comum. E é na linguagem que o significado das coisas pode ser trazido à tona. O portentoso estatuto da palavra deve-se ao fato dela acolher, guardar, conservar e expor o ser que, fora delas, “podem estar por ai, mas não são o que são e como são.” A comunicação é fundamental para a revelação, para tornar os homens ‘humanizados’ e para possibilitar o terceiro momento no movimento de realização, que é o testemunhar. Sem testemunho, o que foi desvelado e revelado se esvai, dissolve-se, dissipa-se, não se sustenta. Para a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), o principal atributo do mundo é o fato de ele ser percebido em comum por todos nós*. Lucienne Felix, Professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana da Escola Superior de Direito Constitucional – ESDC
O que torna a realidade ‘real’? Em sua obra “Analítica do Sentido – Uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica”, Dulce Critelli, profunda estudiosa do filósofo existencialista Martin Heidegger (vide artigo anterior, publicado em nosso Blog: http://www.lucienefelix.blogspot.com), nos esclarece sobre a realidade e seu movimento de realização. De acordo com esta corrente filosófica, a condição sine qua non para que algo seja percebido, ou seja ‘exista’, é a luz (do grego, phós – ). Luz, tanto do ser e dos seres que são e se dão a perceber, quanto do olhar humano “que se institui como sua clareira”, seu lugar de aparição. Mas, embora seja o indivíduo quem vê, seu olhar não é individual. Existimos com os demais, ou seja, compartilhamos uma coexistência e esse ser-no-mundo com os outros, além de fundamentar e possibilitar o conhecimento é igualmente, fundamento para o aparecimento dos entes: “O olhar do homem é constituído por sua coexistência, que, como tal, é fundamento do movimento de fenomenização dos entes e do fenômeno.”, afirma Critelli. Como não somos sós, é a coexistência que fundamenta o movimento fenomênico do mostrar-se/ocultar-se dos entes em seu ser, o ‘acontecimento’: “Pois é desde o que acontece que a possibilidade ontológica pode ser compreendida como possibilidade e, portanto, como fundamento desse acontecimento”, diz a autora. Dessa forma, por estarmos concretamente no mundo com os outros, situados geográfica e historicamente (datados no tempo), instaura-se nosso duplo caráter, que é o de ser “o lugar, ou a clareira onde o ente pode manifestar-se para um olhar e, ao mesmo tempo, ser o olhar, ou a iluminação que provê esta mesma manifestação”. Para que algo ‘apareça’ é necessário que tenha como origem a iluminação daquele que percebe, recolhe, apanha, e que esse apanhado seja compartilhado numa coexistência, cuja função é justamente permitir este mostrar-se fenomênico. Em termos de realidade, é sendo um ser-no-mundo com os outros que o fenômeno É. Quando o ente aparece, ele já foi forjado como real. As coisas não se mostram primeiro para somente depois serem convertidas em realidade: “(...) a própria percepção de algo pressupõe que esse algo tenha sido o resultante de um movimento de realização”. Chamamos a atenção para o fato de que esse movimento de realização, que é o que permite a aparição dos entes, “cujo fundamento e desdobramento são atemporais, existenciais e não meramente metodológicos” difere da compreensão metafísica. Enquanto para a metafísica há o Ser (inapreensível), para a fenomenologia, isso não é absolutamente definitivo: muito do que não se abarcava antes, hoje é perfeitamente compreensível; do mesmo modo, há muito por ser revelado. Assim, metafísica e fenomenologia existencialista, diferem sobre a interpretação do que seja o real, a realidade. Fenomenologicamente, o que torna os seres reais é:
1) Quando desocultado por alguém: desvelamento,
2) Ser acolhido e expresso através de uma linguagem: revelação,
3) Quando visto e ouvido por outros: testemunho,
4) Quando o testemunhado é referendado como verdadeiro por sua relevância pública: veracização e,
5) Uma vez publicamente veracizado, algo é efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos: autenticação.
Em virtude de limite, por ora, discorreremos sobre as duas primeiras etapas, ou seja, até o momento em que a existência de OVNI's e fantasmas (ou almas d’outro mundo) é possível: desvelamento (desocultamento) e revelação (palavra). Desvelamento: enquanto as coisas não forem expostas à luz e desveladas (retirado o véu) por alguém, permanecem no reino do nada, ocultas. Mas o que for trazido à luz não permanece, necessariamente, desvelado para sempre, tampouco do mesmo modo. Um exemplo dessa mutabilidade é a crença que os antigos gregos tinham de que a natureza era presidida por divindades. A ‘desocultação’ (desvelamento) dessas forças vitais se alteraram ao longo de nossa existência: “É toda uma trama de organização social, histórica, coexistencial que se estabelece a partir de cada uma dessas perspectivas.” Outrora deuses, ora arquétipos (junguiano), ora razão, etc., antes, pertenciam ao reino do nada e ansiavam pelo desvelamento. Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), essas forças vitais abrangem todas as ações históricas (ele denomina de “Razão Absoluta”), nem míticas tampouco religiosas, mas algo “determinante, quase fatal, – irreprimível.” Universais e com poder de engendramento, nos movem, mesmo que não tenhamos consciência ou controle sobre elas: “(...) transcendem nossa mera vontade, posição, nosso saber e controle objetivo das situações.” É uma possibilidade. Para a fenomenologia existencialista, o ente também se mostra quando volta para o escuro, para o reino do nada e fica encoberto. Também pode ser ignorado, esquecido, desentendido (compreendido e, depois, desaprendido) e até, por distração, ocultado. O aparecimento das facetas ocultas dos entes se dá à luz do tempo do existir e não necessariamente do esforço racional e cognitivo: “A volta para o velamento que constitui o mostrar-se dos entes, o encobrimento de suas facetas, não é nada negativo, mas essencial.” Velar, esquecer, torna a existência mais suportável. As coisas não se revelam no total de suas possibilidades, mas totalmente em uma de suas possibilidades: “Este movimento é existencial, temporal.” E o que aparece precisa de alguma duração para que possa chegar à realização: “A chance de conservação da faceta ou da possibilidade desvelada da coisa está dada pela linguagem.” É a linguagem. Sendo assim, será NA e PELA palavra que o que foi desvelado dos entes poderá ser exposto. Daí, adentramos à 2ª etapa desse ciclo de movimento de realização da realidade: Revelação: Confirmamos e conservamos a manifestação do que aparece através da fala: “A palavra é o duplo do ser”, diz o filósofo Merleau-Ponty. “A linguagem é a casa do ser”, afirma Heidegger. A condição para que algo exista é poder ser apresentado pela linguagem. As coisas são através da fala. Do que não se fala sequer se cogita a existência. Mesmo que exista, não sendo verbalizado, não é satisfatoriamente revelado. Nos relatos míticos, temos a união entre o criador e a criação por meio das palavras: “Através do falar, na existência humana, é que o ser das coisas pode ser veiculado. (...) Essa é a função dos argumentos, das teorias: a reunião dos significados das coisas, a fim de exibi-las em seu sentido, em seus nexos e possibilidades ininterruptas de aparecimento.” Registrar conserva: “O desocultado precisa ser expresso em alguma linguagem para chegar a mais primária forma de aparecimento e manifestação.” Desvelar é comunicar, tornando comum. E é na linguagem que o significado das coisas pode ser trazido à tona. O portentoso estatuto da palavra deve-se ao fato dela acolher, guardar, conservar e expor o ser que, fora delas, “podem estar por ai, mas não são o que são e como são.” A comunicação é fundamental para a revelação, para tornar os homens ‘humanizados’ e para possibilitar o terceiro momento no movimento de realização, que é o testemunhar. Sem testemunho, o que foi desvelado e revelado se esvai, dissolve-se, dissipa-se, não se sustenta. Para a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), o principal atributo do mundo é o fato de ele ser percebido em comum por todos nós*. Lucienne Felix, Professora de Filosofia e Mitologia Greco-romana da Escola Superior de Direito Constitucional – ESDC
Fiquei deveras "felix" com a postagem, fã que sou da filósofa Dra. Luciene... Felix... rsrs ... Que com os seus estudos me faz pensar, questionar, remoer, angustiar, tornar a pensar, alegrar-me com novas descobertas e REALIZAR! Realizar um novo ser para o convívio em sociedade. Felix!!!!!!! É preciso ter coragem para se repensar, angustiar e recriar... Porém confesso que ainda não sou essa mulher maravilha corajosa que só. rsrsrs
ResponderExcluirQuanta honra, amigos!
ResponderExcluirSinto-me muito feliz em poder contar com amigos preciosos como vocês.
Vou linkar este Blog ao meu, que aliás, acabo de repaginar, rs.
Você é muito corajosa Dra. Daniele: admiro muito seu trabalho, de uma incansável capricorniana, como eu.
Um grande abraço ao Dr. Joel e toda família,
Beijos,
lu.
É atravé da pensamento filosófico que pode se descobrir o mundo. Adorei o Artigo.Continue assim.
ResponderExcluirAristóteles de Sorocaba.
Só posso dizer...ma ra vi lho so.Eduardo Paes.
ResponderExcluirApesar da erudição e complexidade do texto, para quem gosta de filosofia, com certeza não deixa de ser uma delicia.
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